22/08/2010

Vertigens da memória [Parte II]

vertigens_da_memória

Por que nossas lembranças são sempre enubladas e confusas? Os fatos que recordamos nunca são íntegros e transparentes como deveriam ser. Quando gostamos muito de alguma experiência vivida, lembramos com afeto e felicidade; o mesmo acontece com o oposto, quando nos lembramos dos fatos ruins de uma maneira pior do que eles eram. Me vem à cabeça o eterno questionamento que parece não me largar: quando nos sentiremos totalmente livres das vertigens de nossa memória?

Atire a primeira pedra quem nunca provou o estranho gosto do saudosismo. Ao menos uma vez na vida já tivemos vontade de reviver alguma época passada, e com isso caímos nas peças que nossa memória costuma nos pregar: a nostálgica e ilusória sensação de que ontem tudo foi mais saboroso, intenso e vivo.

Acredito que a nostalgia em excesso possa trazer à tona um lado nosso que se frustra com o presente, teme o futuro e tenta recriar o passado; seja através de músicas, ambientes ou até mesmo pessoas. Tenho certeza que você já deve ter marcado aquela reunião tão especial com antigos amigos e saiu de lá com um amargo gosto na alma, com receio de admitir que as coisas não são mais as mesmas. Às vezes é melhor manter algumas lembranças só em nossa mente.

Fazendo uma alusão às nossas memórias, imagine uma gigantesca biblioteca, que representa o interior de nossa mente. Agora pense na estrutura do local, que lembra um imenso labirinto, e visualize-se caminhando entre as estantes. Todos nós passamos por ali todos os dias, mas poucas vezes nos encontramos. Não bastasse o imenso e silencioso lugar, o ambiente é quase que completamente dominado por uma densa neblina. No exato momento em que conseguimos agarrar com unhas e dentes a lucidez de nossa trajetória, os ventos mudam de sentido e temos que reaprender todo o trajeto para voltarmos à nossa zona de conforto.

A incerteza com relação aos nossos passos no meio dessa imensa - e figurativa - biblioteca é o que nos torna pessoas sonhadoras. No meio de nossas caminhadas acabamos por encontrar alguma luz em certas ocasiões. Sem essa luz não somos nada, e nem podemos querer ser algo. O poeta Fernando Pessoa já dizia isso no começo de seu épico poema “Tabacaria”: Não sou nada / Nunca serei nada / Não posso querer ser nada / à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Mesmo assim, continuamos a sonhar e a lutar contra a neblina, que representa a nossa memória ofuscada. Quando nos sentirmos exaustos, enxergaremos a luz para nos guiar, já que não podemos confiar no vento. Mas isso não é completamente ruim, porque sem a imprevisibilidade não existiria diferenciação entre a vitória e a derrota. O interessante disso tudo está na incerteza do momento presente. Afinal, de que valeria nossa passagem por aqui se já soubéssemos todo o roteiro da viagem?

3 comentários:

  1. Não teria nenhuma graça saber de tudo da vida, mas que dá uma vontade dá! rs

    Fazia tempo que não passava por aqui, pelo post. :)

    Um beijo

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  2. @Anônimo - Valeu!!

    @Camila Fontenele - Se soubéssemos de tudo, além de não ter graça, provavelmente não saberíamos distinguir felicidade de tristeza.

    No fim das contas, apesar dos desconfortos momentâneos, as dissonâncias de cada dia são bem vindas!

    Fico feliz que tenha gostado do post!

    Um beijo.

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